terça-feira, 18 de novembro de 2014

Fábrica de Saudades


"Alice: Quanto tempo dura o eterno?
Coelho: As vezes apenas um segundo."

(Alice no País das Maravilhas) Lewis Carroll


Relógios, calendários, estações do ano, luas e rugas. A memória tem o mais exigente chefe do mundo: o tempo. E o tempo sempre foi daquele tipo de chefe bem autoritário, o qual busca que sua presença seja notada. 
Aliás, me surpreende ser possível usar as palavras "tempo" e "sempre" , uma seguida da outra, numa mesma frase. Pois o "sempre" exige constância. E vejamos: a principal tarefa que o tempo dá para a sua empregada, a memória, não é justamente lembrar? Entretanto, ao evocarmos qualquer lembrança, esta já não é a mesma lembrança que tínhamos. O que é recordado agora é outra coisa(que o próprio tempo já modificou). Pensamos e sentimos a lembrança por intermédio de um eu transformado. Não é o mesmo eu que viveu o momento lembrado enquanto era presente, em um saudoso passado. Nada do que lembramos é original e tampouco, constante. 
Por bem dizer, se eu fosse esse tal de tempo(Deus me livre desta responsabilidade de desapontar e causar temor), despedia a memória. Começaria a trabalhar na segunda-feira uma nova empregada: a imaginação. Mais bem humorada,  eu nem precisaria supervisionar o seu trabalho. De tão concentrada em suas atividades, a imaginação não notaria a presença do tempo. De fato, o trabalho da imaginação é excelente! Porém, suas produções são esquecidas e ela não é valorizada enquanto profissional. Consultores a acham dispersa e pouco focada na realidade competitiva do mercado. Recontrata-se a memória. Para a imaginação desenvolver suas aptidões(não é possível demiti-la, mesmo que, por vezes, tire férias, é peça fundamental para a fábrica não parar. Ou mais importante, parar) os arquivos de experiência da memória são uma grata ajuda. Já para a memória não se amargurar com o fardo de suas tarefas a presença da colega já é o suficiente. A memória não gosta de trabalhar sozinha.
Quem sabe não seja justamente de memória e imaginação, juntas, de que esta fábrica precise?
Quem sabe esta fábrica seja de saudades. E quem sabe esta fábrica seja eu...

2 comentários:

  1. Muito bom texto. Por favor, não deixe de escrever. Eles são muito interessantes e com certeza refletem os sentimentos de muitas pessoas.

    Abraço.

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  2. Obrigada pelo comentário, agradeço o incentivo!
    Abraço.

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