"Eu rabisco
o sol que a chuva apagou". A frase é de autoria de Renato Russo, Villa-Lobos e Bonfá, compositores da música Giz, interpretada pela banda Legião Urbana. O sol não está ali, é apenas o traço de
um giz que está ali. Ceci n'est pas une pipe. Ok. Embora a chuva seja do “plano
real”, o sol não deixa de ser real, na amplitude do conceito de real, por ser
um rabisco. Quem sabe o sol que se faz do próprio sol seja um sol muito melhor
do que o sol que sabia ser sol apenas sem a chuva? Cria-se sóis.
Eu rabisco flores no meu caderno. As flores
de meu caderno são sempre da mesma cor da caneta que estou usando para escrever. Geralmente tenho a
azul, a vermelha e a preta na minha mochila. Mas a explicação para eu não usar a caneta vermelha, por exemplo, para enfeitar as pétalas de uma rosa é
simples: não são desenhos planejados. Os rabiscos são como anotações
extras do conteúdo que está sendo aprendido. A minha letra é um rabisco. As
flores são rabiscos extras.
Agora, o porquê
de flores? Bom, primeiro porque se a professora chegar a olhar meu
caderno (espera-se que uma professora universitária não procure olhar cadernos a fim de saber se o conteúdo foi copiado pelos alunos, como ocorre no ensino fundamental. Mas professores universitários gostam de andar enquanto falam... E alguns
andam por entre as classes, com o fim de admirar desenhos alheios em cadernos alheios) não quero que se depare com uma
caricatura sua ou mil coraçõezinhos infantis sobre o papel. Pode se achar um
desenho de flor tão infantil quanto o de coraçõezinhos. Pensando bem, qualquer desenho em
um caderno usado no contexto de ensino superior não é lá algo muito acadêmico. Nem
para o pessoal do Design ou das Artes Plásticas. Eles têm conteúdos e tarefas.
Sobre os conteúdos, escrevem. Sobre as tarefas, desenham. A tal da
aprendizagem formal...
Flores isoladas: conteúdos prontos, pragmáticos. Nesta categoria ou a aula está chata
e permito-me ater-me aos detalhes do miolo, pétalas, cabo... Ou o assunto
envolve dados históricos e conceitos os quais vou precisar decorar e pronto.
Flores emaranhadas: conteúdos difíceis ou empolgação com a aula. Não atenho-me ao cuidado com os detalhes pequenos, o traço não apresenta proporcionalidade entre os elementos.
Estas duas principais categorias de flores permitem-me recordar o que eu estava sentindo em relação a aula. É sabido que memórias que envolvem emoção são mais fáceis de serem armazenadas e posteriormente lembradas. Ou seja, identificando as emoções, fixo e aprendo mais conteúdos. Contudo, esta estratégia não é intencional. Assim como acredito que o sol que Renato e seus amigos insistem em desenhar não tenha a proposição de ocupar o lugar do sol propriamente dito. Se há conexão ou não entre meu aprendizado e as flores? Não sei. Há conexões nas ditas desconexões tanto quanto há sóis num céu. Fluir o pensamento, divagar, lidar com os próprios recursos, associar dever com o gosto... Como diz o ditado: “Tudo vale a pena se a nota da prova não for pequena”.